quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

curva do rio sujo


Tomamos o rumo da ponte para novamente atravessarmos o rio. El Pan e Nemecek pedalavam com fúria as bicicletas, deixando o ar azul à sua paisagem, e eu vacilava, sentado na barra-forte da monark de Huckleberry Finn, enquanto uma chuva fina começou a cair. As gotas explodindo no asfalto da ponte eram pequenos sóis morrendo junto comigo e o final da tarde então parecia apenas o fim de tudo e não mais o monstro ensolarado e infinito de outras vezes. Quando o inimigo deu as caras à nossa espera, do outro lado, nossas bicicletas já levitavam a alguns centímetros do chão. Eu olhei para a superfície do Apa e disse a Huck: "Isto é o meu Mississipi, estes quintais de Bella Vista são os quarteirões de Budapeste para mim, mi viejo!". – Ele gargalhou e pedalou com mais vigor ainda e então pude vê-la, Basano La Tatuada, com seu chocalho de cascavel vibrando altíssimo, tão alto quanto meu coração trepidava sob as areias da margem do rio, e do buraco em meu peito saíam avencas e samambaias e o som de águas barrentas, cascatas nas pedras, os pintados e as sucuris jorrando com o manancial de dentro do lugar antes ocupado pelo meu coração e então mais uma vez desaparecíamos, eu e meus amigos em nossas bicicletas, presos àquele momento se repetindo eternamente, arrancados deste instante sem saída assim como meu coração foi me tirado sem piedade alguma no dia de nossa mais retumbante derrota, quando ainda vestíamos orgulhosos nossos uniformes azuis e a lâmina das espadas refletia o inimigo paraguaio em nosso encalço, para sempre vítimas de sumirmos por inteiro vem às vésperas de uma remota chance de vitória ou de felicidade, meu coração movendo a correnteza do rio e do tempo rumo são infinito.